sábado, 7 de novembro de 2009

Resumo de um trecho do livro O Feudalismo

Publico aqui o trecho inicial do livro do Prof. Hilário Franco Jr. "O Feudalismo", nº 65 da coleção chamada Tudo é História da Editora Brasiliense, para ajudar os alunos que se interessarem por entender melhor a origem do feudalismo.
O exemplar do livro que usei para fazer este resumo é de 1983.

Inicialmente reproduzo um pequeno trecho do primeiro parágrafo do livro, o qual penso ser a grande angústia dos professores de história.

"As palavras para o historiador, são sempre poblemáticas. Como explicar o passado com palavras que não soem estranhas e pedantes aos não especialistas, e que, ao mesmo tempo, sendo simples e de uso comum, não desvirtuem as realidades históricas?"

A Origem do Feudalismo:

O processo de gênese do Feudalismo foi bastante longo: da crise romana do século III até os problemas do Império Carolíngio no século IX, para finalmente se concluir em fins desse século ou princípios do X. Para podermos acompanhar mais claramente esse processo, examinaremos sucessivamente sete de seus aspectos mais importantes:
a- a ruralização da sociedade;
b- o enrijecimento da hierarquia social;
c- fragmentação do poder central;
d- desenvolvimento das relações de dependência pessoal;
e- privatização da defesa;
f- clericalização da sociedade;
g- transformações na mentalidade.

a – a ruralização da sociedade – Ruralização da sociedade é o fenômeno que ocorre na Europa após o fim do Império Romano do Ocidente, quando, após as invasões bárbara as cidades, os mosteiros e igrejas são assaltadas o que leva as populações urbanas a migrarem para a zona rural, ou seja para o campo. Este fenômeno possui raízes muito antigas e profundas, ocorrendo desde o Império Romano, quando ocorreu o crescimento do número de escravos e o enfraquecimento da camada de pequenos e médios proprietários rurais e a concentração das terras nas mãos de poucos indivíduos. Nesse quadro, estabelece-se uma contradição entre a necessidade de se renovar constantemente o estoque de mão-de-obra escrava e um estado dominado pelos cidadãos mais ricos que viam seus rendimentos decrescerem. Os poderosos fugiam aos impostos e os pobres não podiam paga-los. Assim, não havia condições econômicas e sociais de prosseguirem as conquistas. Dessa forma o sistema imperialista/escravista não podia mais continuar a se auto-reproduzir. Na sociedade urbana a crise se manifestava mais claramente com as lutas sociais, a contração do comércio, pressão do banditismo e dos bárbaros. Como conseqüência a essa situação, os mais ricos passaram a se retirar para suas grandes propriedades rurais (chamadas villae), onde estariam mais seguros e poderiam produzir praticamente todo o necessário.
A questão da mão de obra rural foi solucionada por um regime de tripla origem:
1 – atendia aos interesses dos proprietários em ter mais trabalhadores;
2 – do estado em garantir suas rendas fiscais;
3 – dos mais humildes por segurança e estabilidade.
Desse encontro nasceu o colonato. A crescente dificuldade em se obter mão-de-obra escrava (devido às dificuldades de abastecimento) quanto livre (devido ao retrocesso populacional) punha em xeque as possibilidades do grande proprietário em explorar proveitosamente suas terras. Buscou-se então um novo sistema, em que a terra ficava dividida em duas partes: a reserva senhorial e os lotes dos camponeses.
Esses lotes eram entregues a indivíduos em troca de uma parcela do que se produzisse ali e da obrigação de trabalhar na reserva senhorial.
Para o Estado, vincular cada trabalhador a um lote de terra representava melhor controle do fisco imperial sobre os camponeses e uma forma de incentivar a produção. Para os marginalizados trabalhar nas terras de um grande proprietário significava casa, comida e proteção, para os escravos significava uma considerável melhoria de condições e para o proprietário era uma forma de aumentar a produtividade e diminuir os custos. Assim, por um aviltamento da condição do trabalhador livre e uma melhoria da condição do escravo, surgia o colono. Sua situação jurídica, já definida desde o século IV expressa nitidamente a ruralização do império romano. Em resumo, o colono era juridicamente um homem livre, mas verdadeiro escravo da terra.

b – enrijecimento da hierarquia social - Enquanto na Roma Clássica o critério para diferenciação social era a liberdade, a partir do século III passa a ser decisivo levar-se em consideração a condição econômica e a participação nos quadros diretivos do Estado. Desde o século IV estabeleceu-se a vitaliciedade e hereditariedade das funções, da mesma forma que se vinculou os camponeses a terra também se vinculou os artesãos de cada especialidade a uma corporação submetida ao controle estatal.
A penetração dos bárbaros germânicos não alterou esse quadro. A quebra da unidade política romana acentuava as tendências regionalistas daquela aristocracia reforçaria seus privilégios. A vida da população urbana decadente continuava a evoluir nesse sentido e as camadas mais humildes não tiveram sua sorte alterada. Os invasores de maneira geral mantiveram as estruturas anteriores.
A própria sociedade germânica após sua instalação no ocidente começou a passar por transformações profundas. Por volta do ano 500, nos limites do império, vivia um milhão de bárbaros em uma população de trinta milhões. As duas sociedades, a romana e a germânica, passam a ter estruturas semelhantes e identidade de interesse ao nível das aristocracias aos poucos se fundiram numa nova sociedade.

c – fragmentação do poder central – Processo resultante da ruralização, da tendência a auto-suficiência de cada latifúndio e a crescente dificuldade nas comunicações fez com que os representantes do poder imperial fossem perdendo poder de ação sobre vastos territórios. As invasões germânicas quebraram definitivamente frágil unidade política do ocidente no século V. Mais importante que isso é o fato de que em cada Reino Romano Germânico continuavam a se manifestar as mesmas forças centrifugas da época romana. A formação de uma aristocracia germânica contribuía para isso. Esse quadro era reforçado pela decadência da economia, comercial e monetária.
Na maioria das vezes aquelas áreas caíram em mãos de membros da aristocracia germânica, que nelas estabeleciam, além de escravos, homens livres de sua tribo como rendeiros ou mesmo pequenos proprietários. Contudo, com o tempo, seguindo a lógica da evolução social da época, aqueles homens livres acabavam por entrar em algum tipo de dependência. Portanto, as sociedades romana e germânica, passando a ter estruturas semelhantes e identidades de interesses em nível das aristocracias, puderam aos poucos ir fundindo numa nova sociedade.

d – desenvolvimento das relações de dependência pessoal – Esse aspecto é resultado do isolamento dos grupos humanos (devido a ruralização), do crescimento da distância social e da fraqueza do Estado, da tribo ou da linhagem. Assim, já no Império Romano muitos indivíduos de origem humilde procuravam por diferentes razões colocavam-se sob a proteção de um poderoso, tornando-se seus clientes. Essa situação criava laços de dependência muito forte. Essa situação repetia-se também no campo, onde camponeses livres, para fugir ao Estado opressivo e ao fisco, entregavam suas terras a um individuo poderoso. Assim, retirando-os da órbita estatal, os latifundiários romanos tendiam a transformar esses camponeses em colonos.
Entre estas diferentes formas de dependência pessoal na época, a que mais sucesso teria foi a vassalagem. Sua larga difusão deu-se a partir de Carlos Magno no século VIII, reforçando os laços pessoais. Antes dessa época “vassalo” apresentava uma conotação servil, depois, no século VII o termo passa a ser empregado também em relação a homens livres, por fim no século VIII em diante elementos da aristocracia principalmente quando o juramento de fidelidade próprio da instituição da vassalagem alia-se o benefício (doação de extensões de terra).

e – privatização da defesa – Naturalmente este aspecto decorria de todos os anteriores. Tanto entre os romanos como entre os germânicos já havia antecedentes dessa prática, havendo diversas milícias particulares com laços de devotamento pessoal ligando guerreiros e seus chefes.
O grande fator responsável pelo aceleramento do processo de privatização da defesa foram os ataques vikings, sarracenos e húngaros. Considerando que essas invasões tiveram sua fase mais aguda após a divisão do Império Carolíngio e num quadro de fraqueza dos poderes públicos, a resistência aos invasores só poderia ser feita por condes e outros efetivos com poder em cada região. Para sobreviver a Europa cristã cobriu-se de castelos e fortalezas. A fragmentação política completou-se , pois a regionalização da defesa era uma necessidade.

f – clericalização da sociedade – A partir do século IV com a progressiva cristianização das populações romanas uma camada sacerdotal começou a organizar-se institucionalmente para constituir uma Igreja. Esse fenômeno pode ser entendido em dois sentidos: quantitativamente (a proporção de clérigos em relação ao conjunto da população torna-se muito superior à que existira antes durante o paganismo greco-romano) e qualitativamente (o clero torna-se um grupo social diferenciado com privilégios e poderio político e econômico).
Quais as origens desse aspecto:
1 – ao contrário de outras religiões, o clero cristão, foi escolhido, instruído e recebeu poderes diretamente da própria divindade, assim fez Cristo com seus apóstolos e estes com seus discípulos, os primeiros bispos e estes por sua vez com os outros clérigos e assim sucessivamente;
2 – depois, como decorrência do fator anterior, somente o clero poderia realizar os rituais da liturgia cristã, a qual ao longo dos séculos seguintes ia ficando cada vez mais complexa, exigindo cada vez mais que seus oficiantes fossem especialistas. Aos poucos as práticas dos rituais cristãos (os sacramentos – como o batismo, por exemplo, e a celebração eucarística) iam monopolizando a comunicação dos homens com Deus;
3 – também o caráter universalista da Igreja cristã a tornava a única herdeira possível do Império Romano, embora a Igreja cristã considerava-se uma sociedade sobrenatural, que não era deste mundo, reconhecia os direitos do Estado (“daí a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”), mas, exatamente por isso, a Igreja superava o Estado, considerado transitório. Apesar de “não ser deste mundo”, a Igreja estava bem enraizada nele, formando uma sociedade autônoma e completa com sua organização e leis próprias. Assim, o desaparecimento do Império, isto é da face política da sociedade romano-cristã, não afetou a Igreja. Pelo contrário, alargou o campo de sua atuação: por exemplo, antes mesmo da queda do Império, os bispos iam substituindo nas cidades a magistratura civil;
4 – também importante para entender a clericalização da sociedade é considerar o crescente poder econômico da Igreja. Desde seus primeiros tempos recebia donativos e legados de seus fiéis. Estes bens recebidos pela Igreja iam fazendo dela a maior proprietária de terras. No século IX ela detinha, estima-se, uma terça parte das terras cultiváveis da Europa cristã.

g- transformações na mentalidade – o último aspecto a ser considerado na formação do feudalismo são as transformações na mentalidade. Contudo elas são difíceis de serem acompanhadas e impossíveis de serem datadas. De qualquer forma essas transformações estiveram ligadas ao cristianismo que foi muito mais sua expressão do que sua causa.

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